(In)constitucionalidade do §4° do art. 4° da Lei 13.988/20: limites à transação tributária

A transação tributária foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Medida Provisória nº 899/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.988/2020, com fundamento no artigo 171 do Código Tributário Nacional. Seu objetivo é viabilizar a celebração de acordos entre devedores e a Fazenda Pública para a resolução consensual de litígios fiscais, ajustando as condições do acordo à realidade econômica do contribuinte. A própria norma prevê a possibilidade de concessão de descontos e parcelamentos ampliados, condicionando tais benefícios à recuperabilidade do crédito e à capacidade contributiva do devedor (artigo 20 da Lei nº 13.988/2020).
Segundo o relatório Justiça em Números 2024, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, 31,4% dos processos pendentes no Poder Judiciário dizem respeito a execuções fiscais, o que evidencia a baixa efetividade arrecadatória do modelo tradicional e reforça a necessidade de soluções alternativas como a transação tributária.
Entretanto, o §4º do artigo 4º da Lei nº 13.988/2020 estabeleceu uma limitação relevante: veda, pelo prazo de dois anos, o acesso à nova transação ao contribuinte que tenha rescindido acordo anterior. Essa vedação automática ignora a análise individual da conduta do contribuinte, sua boa-fé e sua atual condição econômica, revelando-se incompatível com os princípios constitucionais que regem a matéria tributária. Neste artigo, examinam-se os vícios formais e materiais da referida norma.
Inconstitucionalidade do §4° do artigo 4° da Lei n° 13.988/2020
•    Violação à reserva de lei complementar
A aplicação do §4º do artigo 4º tem sido um obstáculo concreto para contribuintes que desejam regularizar seus débitos tributários. A única alternativa oferecida — o parcelamento tradicional — exige entrada mínima de 20% do valor consolidado e não prevê concessões quanto a juros ou encargos, o que inviabiliza sua adoção por empresas em crise. A transação, ao contrário, permite entrada reduzida, parcelamento ampliado (até 144 vezes) e descontos significativos, sendo muitas vezes o único instrumento viável de regularização fiscal. Até 2024, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recuperou mais de R$ 61,3 bilhões por meio da transação tributária, o que confirma sua efetividade.
A vedação imposta pelo §4º, ao impedir a adesão à transação mesmo diante da demonstração de capacidade atual de pagamento, representa alteração no regime de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, matéria esta cuja normatização é reservada à lei complementar, conforme o artigo 146, III, ‘b’, da Constituição. A norma em questão foi veiculada por lei ordinária, o que viola expressamente esse dispositivo constitucional.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 917.285/SC (Tema 874), declarou inconstitucional a expressão “ou parcelados sem garantia” da Lei nº 9.430/96 justamente por tratar-se de matéria afeta à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sem respaldo em lei complementar. Reafirmou-se que “compete exclusivamente à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria de suspensão da exigibilidade do crédito tributário”. No mesmo julgado, o STF destacou que a extinção das obrigações tributárias está sob reserva de lei complementar, sendo formalmente inconstitucional qualquer inovação infraconstitucional nesse sentido.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-abr-23/a-inconstitucionalidade-do-§4-do-artigo-4-da-lei-no-13-988-2020-limites-formais-e-materiais-a-transacao-tributaria/