Da necessidade de solução para os bens essenciais não considerados de capital

A Lei 11.101/2005, nos parágrafos 7-A e 7-B do artigo 6º, menciona “bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial” ao dispor sobre a competência do juízo recuperacional para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre referidos bens.
De igual modo, em seu artigo 49, §3º, o qual prevê as exceções legais de sujeição à recuperação judicial, a lei menciona não ser permitido, durante o stay period, “a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.
A Lei 11.101/2005 não traz, contudo, o conceito de bens de capital essenciais.
O Decreto nº 2.179/97 define bens de capital, em seu artigo 2º, para fins do próprio Decreto:
Art. 2º Para os fins deste Decreto, consideram-se:
I – “Bens de Capital”: máquinas, equipamentos, inclusive de testes, ferramental, moldes e modelos para moldes, instrumentos e aparelhos industriais e de controle de qualidade, novos, bem como os respectivos acessórios, sobressalentes e peças de reposição, utilizados no processo produtivo e incorporados ao ativo permanente;
Esse conceito aplicado à Lei 11.101/2005 é criticado por parte da doutrina, a exemplo do professor Paulo Penalva e do ministro Luis Felipe Salomão:
No entanto, essa não deve ser a única interpretação à expressão “bens de capital” prevista no § 3º do art. 49. Para a finalidade da Lei 11.101/2005, é razoável entender que o capital de giro da sociedade em recuperação seja considerado essencial para o seu funcionamento, da mesma forma que o são os equipamentos e demais bens utilizados na sua produção.
Apesar disso, é o conceito que vem sendo aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça. No REsp 1.758.746/GO, o bem de capital restou definido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça como “bem corpóreo (móvel ou imóvel), que se encontra na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period“.[1]
Nesse sentido, o STJ excluiu o dinheiro, recebíveis e grãos, por exemplo, da proteção prevista nos artigos 6º e 49 da Lei 11.101/2005.
Inclusive, no REsp 1.991.989 MA, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, ficou claro o entendimento de que o produto final da atividade empresária, inclusive produtos agrícolas, não pode ser enquadrado como bem de capital essencial, posto que é, na verdade, objeto de comercialização pela recuperanda, e não o aparato essencial à sua produção. [2]
Problema dos bens essenciais que não são admitidos como ‘de capital’: trava bancária, recebíveis, capital de giro, grãos
A definição de bem de capital essencial gerou alguns problemas nos procedimentos recuperacionais em virtude da expropriação de bens que são essenciais, mas não são considerados “de capital”, tais como as travas bancárias, recebíveis, bloqueios em contas do capital de giro das empresas, retirada dos grãos e produtos do estoque.
Como se sabe, a expropriação desses bens pode inviabilizar as atividades das empresas que, em sua maioria, realizam operações com alienação fiduciária ou cessão fiduciária, o que passou a ser exigência dos bancos uma vez que créditos com essas garantias não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Ademais, sob a ótica da atividade rural, vale destacar que os créditos e garantias cedulares vinculados à CPR (Cédula de Produto Rural) com liquidação física não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial em caso de antecipação do preço, ou representativa de operação de troca por insumos (barter), nos termos do artigo 11 da Lei 8.929/1994.
Mais uma vez, coloca-se em risco a atividade da recuperanda, pois, em que pese os grãos não sejam, por definição, considerados bens de capital, são, em muitos casos, essenciais para a manutenção das atividades da devedora, indispensáveis para que os produtores possam fazer o seu negócio girar.
Nesta toada, importante trazer à tona o posicionamento do juiz Renan Carlos Leão Pereira do Nascimento, titular da 4ª Vara Cível de Rondonópolis (MT), que, nos autos do processo nº 1007913-24.2023.8.11.0003, ID 130969738, entendeu que os grãos produzidos por produtores rurais podem ser considerados bens de capital essenciais e devem ser mantidos em sua posse, flexibilizando o conceito de bem de capital essencial.
Fonte: Conjur