Atualmente, uma das grandes preocupações existentes nas empresas, em razão sobretudo da efetiva concretização das boas práticas empresariais (ESG) [1], é o respeito às normas de saúde e segurança no meio ambiente laboral. Nesse sentido, uma temática que tem causado polêmica se refere à possibilidade ou não da realização do teste de bafômetro na empresa.
À vista disso, questiona-se: pode o empregador exigir a realização do teste de bafômetro junto aos seus empregados? É lícito ao empregado se recusar a fazer o teste? E, ainda, essa conduta da submissão ao teste poderá ensejar o pagamento de uma indenização por danos morais, particularmente em virtude da violação da privacidade e da intimidade do trabalhador?
Por certo, dada a sensibilidade do assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Dados estatísticos
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 20% a 25% dos acidentes de trabalho no mundo envolvem pessoas que estavam sob o efeito do álcool ou de outras drogas [3], de modo que as ações de prevenção no ambiente de trabalho se revelam imprescindíveis.
De outro norte, nos últimos anos houve um crescimento no número de afastamentos do trabalho, sobretudo com pedidos de auxílio-doença por alcoolismo. Aliás, esse ainda é o principal motivo dos transtornos mentais e comportamentais por uso de substância psicoativa, isso, aliás, de acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) [4].
Lição de especialista
Neste atual contexto, é importante destacar que o empregador detém o exercício do poder diretivo, sendo válidos os ensinamentos do procurador do Trabalho doutor Henrique Correa [5]:
“O poder do empregador está previsto no art. 2º da CLT, pois o empregador dirige a prestação pessoal de serviços. Como ele assume, exclusivamente, os riscos da atividade econômica, há necessidade de organizar e controlar a prestação de serviços, mesmo que, para isso, seja necessária a aplicação de penalidades aos trabalhadores. Se de um lado há presença do poder de direção, por parte do empregado há também a presença da subordinação. O poder de direção do empregador encontra seu fundamento na própria existência do contrato de trabalho.
(…)
Importante frisar que esses poderes, conferidos ao empregador, não são absolutos. Há limites previstos na CLT e na CF/88, por exemplo, respeitar a intimidade e a dignidade do empregado. Aliás, se transmitida ordem ilegal (comprar entorpecentes, fazer sexo com clientes da empresa), alheia ao contrato (empregado contratado como professor de inglês, sendo exigido que transporte os filhos do empregador para escola e que faça suas compras de supermercado), ou desproporcional (trabalhar 18 horas por dia, ou sem equipamentos básicos de proteção, o empregado poderá se recusar a cumprir a ordem dada.”
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado a CLT trata das medidas preventivas de medicina do trabalho em seu artigo 168 [6], sendo que no parágrafo sexto aborda de forma específica acerca da obrigatoriedade do exame toxicológico, em se tratando de motorista profissional. Lado outro, a Leis Maior, em seu artigo 7º, inciso XXII, preceitua que o trabalhador tem direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
De mais a mais, o artigo 196 da Carta Magna estabelece a saúde como um direito de todos, devendo o Estado adotar medidas que reduzam os riscos de doenças [7]. De igual modo, o artigo 225 da CF [8] preceitua que é dever do Estado e da coletividade a defesa do meio ambiente saudável e equilibrado.
Do ponto de vista internacional, a Convenção 155 da OIT [9], ratificada pelo Brasil, trata sobre a Segurança e a Saúde dos Trabalhadores, sendo que, em relação ao termo saúde, dispõe que este “abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
Logo, em observância às normas legais, verifica-se que é possível, em tese, a exigência da realização do teste do bafômetro, sem que tal medida seja considerada necessariamente uma afronta à dignidade do trabalhador, tampouco em automático abuso do poder diretivo pelo empregador.
Posicionamento jurisprudencial
O TST já foi provocado a emitir um juízo de valor sobre a temática, de forma que o entendimento caminhou no sentido de afastar a indenização por danos morais, uma vez que o uso do bafômetro no caso concreto não foi tido por abusivo [10].
Em seu voto, a ministra relatora ponderou:
“Dito isso, extrai-se da decisão recorrida que a reclamada instituiu programa de controle de prevenção de dependência química para os seus empregados. Verifica-se que, in casu, não houve abuso do poder diretivo do empregador porquanto era exigido de todos os operadores de plataforma o uso de bafômetro.”
Outrossim, conquanto a realização do teste do bafômetro possa ser considerada lícita, haja vista se tratar de um procedimento visando a saúde e a segurança dos trabalhadores, o que não se pode permitir, em absoluto, é que tal procedimento seja feito de forma abusiva, ofensiva e vexatória [11].
Por isso que é preciso ter cautela no que diz respeito à aplicabilidade da penalidade, caso fique comprovado o uso de álcool pelo trabalhador, afinal, a imediata dispensa por justa causa nem sempre se mostrará a mais razoável conforme já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho [12].
No caso julgado, um trabalhador reverteu a justa causa a ele aplicada após ser constatada a ingestão de bebida alcoólica. Em seu voto, o Ministro Relator, destacou [13]:
“No caso em exame se trata de empregado que teve em seu teste verificado teor alcóolico, sendo irrelevante para autoridade de trânsito o percentual, eis que a tolerância atual é zero, sendo de se ressaltar que o interesse público foi respeitado e é relevante, pois diz respeito à segurança de todos.
Ocorre, todavia, que no direito do trabalho, necessário levar em consideração que a justa causa não pode ser analisada sem levar em consideração os aspectos que norteiam a relação empregado x empregador que, no presente caso, objetivamente, traz circunstância relativa a uma primeira falta.
Entendo que a postura mais razoável do empregador, em vez da dispensa por justa causa, seria não autorizar o autor a conduzir o veículo no dia e, pelo período mínimo a possibilitar mais um teste, adotando como medida de censura ao autor a advertência ou suspensão no dia.”
Conclusão
Considerando a sensibilidade que a temática exige, é forçoso que todos colaborem para um meio ambiente laboral saudável, inclusive com políticas claras e transparentes sobre os meios de fiscalização que poderão ser exigidos na empresa. Até porque, em arremate, as consequências do uso de álcool no trabalho não só agravam os riscos de acidentes laborativos, como também afetam todos os demais trabalhadores, de sorte ser fundamental a adoção de medidas preventivas e a divulgação de informações.
Fonte: Conjur