A 3ª vara Cível do foro regional de Santana/SP acolheu pedido de desconsideração da personalidade jurídica, em caráter inverso e expansivo, para incluir a sogra, a cunhada e a empresa desta no polo passivo de execução movida contra casal investigado por esquema de pirâmide financeira. As rés teriam recebido transferências em criptomoedas após a constituição da dívida.
Para o juiz de Direito Aluísio Moreira Bueno, a conduta caracteriza confusão patrimonial e estratégia de blindagem de bens. Assim, reconheceu a existência de grupo econômico familiar e aplicou a teoria menor da desconsideração, prevista no art. 28 do CDC, que dispensa a demonstração de abuso da personalidade jurídica quando houver obstáculo ao ressarcimento do consumidor.
Entenda o caso
O processo está em fase de cumprimento de sentença. A credora alegou que o casal de devedores passou a transferir valores em criptomoedas a familiares da esposa, com o objetivo de ocultar patrimônio e frustrar a execução. As destinatárias seriam a mãe e a irmã da devedora, esta última sócia de empresa recém-constituída. A autora também apontou que o casal é investigado por envolvimento em esquema de pirâmide financeira.
O pedido de desconsideração foi formulado com base no artigo 28 do CDC, com requerimento de arresto cautelar dos bens. A liminar foi indeferida em 1º grau, mas deferida pelo TJ/SP em sede de agravo de instrumento.
As rés contestaram o pedido, sustentando ilegitimidade passiva e negando vínculo com os devedores. Alegaram que não são sócias das empresas executadas nem beneficiárias de qualquer fraude. No entanto, não impugnaram as transferências recebidas nem apresentaram justificativas ou provas de contraprestação pelos valores.
Teoria menor da desconsideração
O magistrado acolheu integralmente o pedido com base na chamada teoria menor da desconsideração. Tal modalidade permite a desconsideração da personalidade jurídica quando esta constitui obstáculo ao ressarcimento do consumidor, dispensando a demonstração de abuso ou fraude.
"O pedido de desconsideração da personalidade jurídica fundamenta-se no art. 28 do CDC, que adota a teoria menor da desconsideração, dispensando a comprovação de abuso da personalidade jurídica, bastando a existência de obstáculo ao ressarcimento do consumidor."
Blindagem patrimonial e grupo familiar
Com base nos documentos apresentados, o juiz reconheceu a existência de um grupo econômico familiar formado pelos devedores e as rés, sogra, cunhada e a empresa desta, utilizado para desviar patrimônio após a constituição da dívida.
"A utilização de parentes próximos para receber transferências patrimoniais após a constituição da dívida caracteriza típico expediente de blindagem patrimonial, configurando abuso da personalidade jurídica. (...) Os elementos probatórios evidenciam a existência de grupo econômico familiar entre os devedores e as requeridas."
Confusão patrimonial
A decisão destacou que as transferências foram feitas de forma habitual e com valores significativos, sem qualquer contraprestação aparente.
"Restou demonstrado que os devedores transferiram valores significativos em criptomoedas para as requeridas sem qualquer contraprestação aparente. (...) As requeridas não impugnaram especificamente a veracidade dessas transferências nem apresentaram justificativa plausível para o recebimento de tais valores."
Tais elementos caracterizaram a confusão patrimonial nos moldes do art. 50 do CC, legitimando a extensão da responsabilidade às rés.
Com base nos fundamentos apresentados, o juiz:
Desconsiderou a personalidade jurídica da empresa relacionada à cunhada do devedor;
Incluiu as três rés no polo passivo da execução, responsabilizando-as solidariamente pelo débito de R$ 91.622,05;
Manteve o arresto cautelar dos bens, conforme já determinado pelo TJ/SP;
Assim, determinou o retorno dos autos à fase de cumprimento de sentença para prosseguimento da execução.
Processo: 0012855-71.2024.8.26.0001
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/435458/piramide-financeira-parentes-de-devedores-sao-incluidos-em-execucao