Desvendando o COE: batalha legal por transparência e adequação no mercado de capitais

O aumento da popularidade dos COEs (Certificados de Operações Estruturadas) no varejo financeiro brasileiro acendeu um debate relevante sobre a adequação desses produtos ao perfil do investidor, os riscos efetivos que envolvem sua aquisição e a responsabilidade das instituições financeiras na fase de oferta.
Embora os COEs possam, em tese, oferecer estratégias combinadas de renda fixa e derivativos para buscar retornos assimétricos, sua complexidade técnica, a opacidade de certos componentes e a assimetria informacional em relação ao investidor de varejo têm produzido litígios em que os prejuízos suportados pelos clientes são confrontados com os deveres fiduciários e regulatórios dos intermediários. Esse debate se ancora em pilares jurídicos centrais: dever de suitability, dever de informação clara e adequada, prevenção a conflitos de interesse, governança de produto e responsabilidade civil por falhas de distribuição, à luz do Código de Defesa do Consumidor e das normas do mercado de capitais.
A moldura normativa do COE é relativamente recente. A figura jurídica foi introduzida pela Medida Provisória 472/2009, posteriormente convertida na Lei 12.249/2010, e ganhou regramento complementar com a Resolução 4.263 do Conselho Monetário Nacional, com efetiva implantação do produto em 6 de janeiro de 2014. Em 26 de fevereiro de 2016, a Instrução CVM 569 disciplinou a distribuição pública desses certificados, ampliando o escopo de oferta para além dos bancos, alcançando corretoras e distribuidoras, o que impulsionou a difusão do investimento e reduziu o tíquete médio para pessoas físicas. Esse movimento de massificação, contudo, trouxe um desafio: vender produtos complexos a um público muitas vezes sem familiaridade com derivativos exige padrões reforçados de transparência, adequação e governança. [1]
O risco é inerente ao COE e se manifesta de formas distintas. Mesmo estruturas “com proteção de capital” dependem da solvência do emissor e de condições contratuais (barreiras e gatilhos) que, se acionadas, convertem o resultado em perda do ganho esperado, retorno nulo ou, em configurações sem proteção, perda efetiva do principal. O investidor também assume o risco de mercado decorrente de opções e swaps embutidos, bem como risco de liquidez — já que o COE, em regra, não possui mercado secundário profundo e a saída antecipada pode ser inviável ou punitiva.
A precificação desses derivativos envolve variáveis como volatilidade implícita e correlação, dificultando ao cliente avaliar a relação risco-retorno e a probabilidade real dos cenários divulgados em materiais comerciais. A assimetria informacional se agrava quando a venda decorre de abordagem ativa, amparada em narrativas que enfatizam cenários positivos, minimizam complexidades e utilizam linguagem técnica pouco acessível. Não raramente, o investidor adere ao produto sem compreender seu funcionamento efetivo, gerando frustração de expectativas e perdas que poderiam ser evitadas com diligência informacional e procedimental adequada.
Informação clara e proporcional à sofisticação do cliente
A venda de investimentos complexos impõe deveres reforçados às instituições financeiras e intermediários. Não basta exibir termos de adesão e lâminas; é preciso assegurar que a informação seja clara, verdadeira, compreensível e proporcional ao grau de sofisticação do cliente, em sintonia com a boa-fé objetiva e a proteção do consumidor. O dever de suitability exige conhecer efetivamente o cliente — experiência, objetivos, horizonte, capacidade financeira e tolerância a risco — e, a partir disso, avaliar a adequação do COE específico recomendado. Esse dever não se exaure em questionários formais ou “cliques” genéricos; tribunais têm lembrado que a forma não pode se sobrepor ao conteúdo: se a prática comercial induz o cliente a crer que o risco é pequeno ou que o COE “equivale” à renda fixa com bônus, há vício informacional e falha na prestação do serviço.
Fonte: conjur.com.br