Com a crescente evolução do movimento ESG, temos visto algumas empresas buscando se aproveitar de oportunidades comerciais e “surfar essa nova onda”, sem necessariamente aderir a práticas efetivamente sustentáveis. Tal comportamento é conhecido como “greenwashing”, uma espécie de maquiagem verde.
O greenwashing é extremamente danoso, não apenas para a empresa engajada em tal prática – haja vista que ninguém pode enganar os stakeholders por muito tempo – mas também para todo o mercado. Isso porque ele descredibiliza as práticas ESG, levando céticos e até mesmo os defensores a questionar as práticas de sustentabilidade como um todo.
Neste contexto, torna-se fundamental o combate ao greenwashing, que passa necessariamente pela adequada regulação do tema. A regulação é necessária para:
I. Trazer regras claras que possibilitem a padronização do disclosure, de modo a permitir a comparabilidade entre as empresas de diferentes setores e jurisdições;
III. “Forçar” as companhias a divulgar seus riscos e eventuais informações de caráter “negativo”, já que as mesmas não teriam incentivo para fazer isso de forma voluntária.
Nesse contexto, vem em boa hora a Resolução 193 aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – regulador do mercado de capitais brasileiro, no último dia 20 de outubro. Tal Resolução determinou a adoção das normas internacionais de divulgação sobre sustentabilidade para as companhias abertas no Brasil.
Tais normas são emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), órgão criado pela Fundação IFRS – a mesma que normatiza as normas contábeis (IFRS) – no ano de 2021. O ISSB já emitiu duas normas: a IFRS S1, que trata das divulgações financeiras relacionadas à sustentabilidade e a IFRS S2, que aborda informações sobre o clima. São justamente essas duas normas que foram citadas pela Resolução da CVM. Ambas serão obrigatórias para as companhias abertas a partir do ano de 2026, com a possibilidade de adoção voluntária nos anos de 2024 e 2025.
O regulador do mercado brasileiro também endereçou a necessidade da auditoria (asseguração) independente, de forma a trazer um atestado de fidedignidade sobre as informações divulgadas pelas companhias.
Nesse contexto, ganha especial relevância a ciência contábil. Isso porque, de maneira simplificada, a contabilidade pode ser compreendida como uma técnica que objetiva contar a história de uma empresa através de valores monetários; no caso as informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, numa perspectiva de riscos e benefícios.
Identificar eventos, estabelecer processos, controlar ativos e passivos, atribuir valor monetário, revisar e auditar os números, produzir relatórios para a tomada de decisão, divulgar informações para os interessados etc. são todas atividades que os contadores já fazem atualmente no que tange aos aspectos econômico-financeiros da sociedade.
Passada a euforia original com o movimento ESG, faz-se necessário quantificar e mensurar em termos monetários os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade. Como se costuma dizer, “o que não é medido, não é gerenciado”; e tampouco poderá ser devidamente divulgado aos stakeholders.
A sustentabilidade empresarial, ouso dizer, é algo que veio para ficar. Seu maior risco é justamente o greenwashing cuja a morte foi anunciada com a entrada em vigor das normas do ISSB.
Registre que o Brasil foi o 1º país a anunciar um compromisso formal de adoção da IFRS S1 e S2. A decisão da CVM, portanto, coloca o país em posição de destaque e protagonismo para liderar tal movimento em nível mundial. O greenwashing não deixará saudades. Trata-se, sem dúvida, de um grande avanço no regime informacional das companhias abertas no Brasil.
*Fernando Dal-Ri Murcia. Professor do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP e Membro do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade.
Fonte: Valor Investe