A Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) divulgou nesta semana os resultados do Observatório do Mercado de Capitais. Na sua 1ª fase, o observatório estudou os Processos Administrativos Sancionadores (PAS) julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e os Termos de Compromisso (TC).
Agora, na sua 2ª fase, o estudo analisou os recursos interpostos perante o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), o “Conselhinho”, contra decisões do colegiado da CVM. O objetivo dessa nova etapa foi comparar os julgamentos dos processos sancionadores pela CVM com as decisões proferidas nos respectivos recursos perante o CRSFN.
Para atingir seu propósito, a pesquisa comparou as características dos 1.097 processos julgados pela CVM com o resultado dos 518 julgamentos pelo CRSFN resultantes de recursos interpostos naqueles processos, de forma a entender e comparar diversos indicadores, como: a taxa de recorribilidade; a recorrência de decisões unânimes; a taxa de provimento; a incidência de votos de minerva; e o tempo médio de tramitação dos processos no CRSFN.
Como os julgamentos na CVM são individualizados por parte e por infração, uma mesma pessoa pode ser condenada por uma infração, mas absolvida por outra. Contra a condenação, a parte pode entrar com um recurso voluntário; contra absolvição, a CVM entrava, até a alteração do regimento interno em 2016, com recurso de ofício. Com isso, uma parte pode surgir duas vezes em um mesmo processo, o que fez a pesquisa adotar como principal unidade amostral uma composição de três colunas: número do processo, parte e tipo de recurso em que a parte aparece. Para cada processo-parte-recurso, várias informações foram levantadas como tipo de pena, proporção de redução da pena de multa e de restrição, tempo de tramitação e proporção de reforma. Também foi criada uma base de decisões, cuja unidade observacional corresponde ao voto de um conselheiro no julgamento de uma parte, por tipo de recurso, por processo. Os principais resultados podem ser resumidos nos seguintes pontos:
1) Processos com condenações relacionados a ilícitos de mercado apresentam a taxa de recorribilidade mais elevada: 44,77%. O tema de menor recorribilidade é oferta pública, com 16,07%.
2) Se analisarmos pelo tipo de sanção, condenações a penas de suspensão possuem a maior taxa de recorribilidade: 69,4%. A inabilitação possui a menor taxa, de 22,4%.
3) No geral, 68,8% dos recursos são julgados total ou parcialmente favoráveis ao acusado. A taxa inclui os extintos recursos de ofício da própria CVM, o que explica o percentual elevado.
4) Se olharmos apenas os recursos voluntários, a taxa de decisões favoráveis ao acusado cai para 25,7%.
5) A maior parte dos recursos (77,3%) é julgada por unanimidade, havendo divergência em 20,2% dos casos e desempate por voto de qualidade em 2,5%.
6) As medianas dos valores das multas aplicadas pela CVM (R$ 110.000) são ligeiramente maiores do que as aplicadas pelo CRSFN (R$ 90.000). Já a multa média da CVM (R$ 1.690.926,12) é bastante superior à do CRSFN (R$ 694.646,68), indicando maior assimetria.
7) A mediana do tempo das penas restritivas (inabilitação, suspensão e proibição) aplicadas pela CVM (5 anos) é maior do que a das aplicadas pelo CRSFN (2 anos). Já a média varia menos, com 4 anos e 3 meses para CVM e 3 anos e 3 meses para o CRSFN.
8) Nos recursos voluntários, os conselheiros indicados por entidades ligadas à iniciativa privada votam mais favoravelmente aos acusados (29,6%) do que os conselheiros indicados pelo governo (21,4%).
9) No que se refere ao tempo para apreciação e julgamento, mediana entre a distribuição e a decisão pelo CRSFN sobre os recursos é de 113 dias (aproximadamente 4 meses).
A pesquisa aponta diversos pontos relevantes, sendo cada variável merecedora de uma discussão aprofundada. Trata-se de uma radiografia precisa sobre o enforcement público das regras de mercado, que pode trazer elementos valiosos para uma reflexão a respeito de reformas e novas políticas públicas para aperfeiçoamento do mercado de capitais.
Os resultados estão divulgados na página da ABJ, assim como uma plataforma que permite a exploração dos dados de forma interativa.
Fonte: JOTA