Entre os diversos eventos que podem afetar o desenvolvimento e perpetuidade do negócio social estão as mudanças no mercado global, nas condições econômicas e/ou legislativas, a entrada de novos concorrentes, as inovações tecnológicas, como também fatores relacionados aos próprios sócios, como é o caso da falência.
Com a decretação judicial da falência, criar-se-á um novo estado jurídico para o devedor, o estado de falido, cujo patrimônio, direitos e obrigações ficarão submetidos a específico regime jurídico.
Entre as diversas regras do mencionado regime jurídico específico, o Código Civil prevê que o resultado da falência será a exclusão do sócio falido do quadro societário das sociedades em que participa, conforme disciplinado no § único, do artigo 1.030.
A exclusão do sócio falido, apesar de operar-se de pleno direito, demandará a realização de prévia reunião de sócios/alteração do contrato social para ratificar a exclusão do sócio e alterar o quadro societário, seguido do respectivo registro na junta comercial e das atualizações sociais.
A princípio, conforme explicado por Alfredo de Assis Gonçalves Neto [1], a reunião de sócios/alteração do contrato social poderá ser realizada sem a convocação ou a participação do sócio falido:
“Não há previsão de participação do sócio a ser excluído e, por isso, ao contrário da regra do art. 1.085, a decisão pode ser tomada sem sua convocação. Também é possível que a deliberação figure em documento escrito, firmado por tanto sócios quantos bastem para a formação da maioria. Embora conveniente, não é necessária a convocação do sócio a ser excluído, pois a deliberação é dos demais sócios; não há empecilho, porém, à convocação desse sócio, pois ele pode participar da discussão a respeito de sua exclusão, embora não possa votar a respeito.” (g.n.)
Em complemento à referida sistemática, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei) (Anexo IV da IN 81/2020, item 7.4) acrescentou que, se em até 90 dias contados do evento da falência, os sócios remanescentes não manifestarem o interesse em suprir a quota por meio da apresentação da alteração ao contrato social, a Junta Comercial deverá, mediante provocação de qualquer interessado, promover a alteração nos cadastros da sociedade para refletir o cancelamento das quotas do falido.
Vislumbra-se, portanto, que o objetivo da norma não é a de proteger o sócio falido — visto que sua participação não é essencial para formalização de sua exclusão, podendo, ainda, qualquer terceiro solicitar as atualizações dos cadastros sociais —, mas sim o de garantir a sua imediata e automática exclusão, seguindo com a apuração dos haveres cabíveis e o respectivo pagamento à massa falida, protegendo, assim, o interesse dos credores [2].
Neste contexto, pode-se considerar que o comparecimento de todos os sócios remanescentes na reunião destinada a deliberar sobre a exclusão do sócio falido, atenderia a previsão do §2º, do artigo 1.072, do Código Civil, ficando dispensada a realização de qualquer convocação.
Ocorre que, ainda, tem-se encontrado dificuldades à implementação da sistemática acima apresentada, e o consequente registro da reunião de sócios/alteração do contrato social disciplinando sobre a exclusão do sócio falido e as atualizações cadastrais.
Decisão da Procuradoria
Em caso recente, a Procuradoria do Estado de São Paulo, por meio do Parecer CJ/Jucesp nº 255/2023, indeferiu pedido de arquivamento de alteração contratual, exigindo a efetiva demonstração da convocação e da ciência do sócio falido ou de quem responde pelo passivo da falida, justificando que, apesar de a retirada do sócio falido operar-se automaticamente, a alteração nos cadastros sociais somente se realizará por meio do arquivamento de alteração contratual, o que exige as prévias formalidades de convocação.
A referida exigência foi mantida mesmo com a comprovação da prévia realização da convocação por meio de publicações do edital de convocação, sob a justificativa de que a mencionada forma de convocação não atendia à forma de convocação por carta registrada, conforme definido no contrato social, atendo-se meramente as regras contratuais, e desconsiderando a própria finalidade da convocação (dar publicidade), e os próprios preceitos do Drei (que permite qualquer terceiro solicitar as alterações sociais).
Acontece que a comprovação da notificação e ciência do sócio falido é tarefa de difícil execução, visto que, em regra, aquele não mais ocupará o prédio anteriormente utilizado como sede social, e as tratativas com o administrador da massa falida tendem a ser demoradas e sujeitas a uma considerável inflexibilidade, fatores estes, somados a diversos outros, impossibilitam a realização da convocação por carta registrada, conforme o caso prático acima mencionado.
Os contrastes entre as disposições legais, os procedimentos estabelecidos pelas Juntas Comerciais, Drei e a Procuradoria, juntamente com a realidade das práticas empresariais, resultam em morosidades desnecessárias que podem acarretar prejuízos tanto para a continuidade da sociedade quanto para a massa falida.
Diante da referida situação, necessário a avaliação de alternativas como, exemplificativamente, a diferenciação da forma de convocação a ser definida no contrato social, excepcionando a convocação pessoal para casos específicos, como o da falência; ou o peticionamento nos autos do processo de falência, para obtenção da prévia anuência do administrador judicial quanto ao conclave social que se realizará, opções que levariam ainda mais tempo e despesas para a regularização da sociedade e o pagamento à massa falida.
Contudo, seja qual for a alternativa que vier a ser adotada, de forma antecipada ou não, é crucial garantir a sincronia entre as práticas empresariais, as disposições legais e os regulamentos infralegais, a fim de melhor controlar os custos da transação e suprimir os inconvenientes desnecessários.
Fonte: Conjur